segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Documentário: "Epicentro - 24h em Wuhan"


(Escrito por Renato Coelho)

A província de Wuhan na China foi a primeira região do planeta a experimentar uma epidemia com o vírus Sars-Cov-2. O documentário acima produzido por uma TV chinesa não mostra, mas as autoridades de Pequim agiram de forma a tentar esconder do mundo os efeitos do vírus na sua população durante as primeiras semanas de contágio, numa tentativa clara em querer abafar o surto do novo coronavírus em Wuhan. O médico oftalmologista chinês Li Wenliang tentou alertar as autoridades de seu país sobre o início de um surto na sua cidade, porém, fora reprimido pela polícia chinesa, cuja intenção era de manter em segredo o surto provocado por um vírus, que até então era desconhecido. O médico Li contraiu o vírus ao tratar de um paciente no hospital de Wuhan e faleceu poucos dias depois do contágio. A morte do medíco Li provocou uma série de revoltas na população chinesa e teve repercussão na mídia mundial, o que levou o governo daquele país a abrir uma investigação sobre o novo surto em Wuhan e as denúncias de Li Wenliang. Tais tentativas autoritárias do governo Chinês ao tentar esconder do mundo a epidemia em Wuhan levaram ao atraso nas políticas de rastreamento e contenção ao vírus, o que permitiu assim a sua proliferação para além das fronterias chinesas.

Há comprovações científicas recentes de que o novo coronavírus, também conhecido como Sars-Cov-2, seja originário de morcegos que habitam nas cavernas de regiões centrais da China. O seu contágio em humanos se deu provavelmente através de um outro animal hospedeiro, chamado de intermediário, do qual houve a transmissão para os seres humanos (provavelmente o mamífero denominado pangolim). O mercado de Wuhan não comercializava morcegos, entretanto, havia a venda de vários outros animais selvagens que podem ter servido como o estopim dos contágios. A verdade é que o surto do novo coronavírus surgiu em Wuhan, porém, o início exato do primeiro contágio em Wuhan ainda está sob investigação ou talvez jamais se descubra. Mas o que importa destacar é que a caça e comercialização de animais selvagens deu origem ao surto de Sars-Cov-2. A destruição da natureza e a exploração de animais selvagens são capazes de produzir desequilíbrios na natureza e promover o desenvolvimento de surtos e a produção descontrolada de vírus, tal qual assistimos hoje no mundo.

O vírus Sars-Cov-2 está presente em morcegos, porém, o vírus não ataca o sistema imunológico destes mamíferos voadores. Entretanto, quando estes animais são retirados de seu habitat natural e aprisionados em redes ou gaiolas, este ambiente de estresse gerado sobre os morcegos é capaz de alterar drasticamente sua relação “amistosa” com o novo coronavírus. Ou seja, em ambiente de estresse, o sistema imunológico do morcego não é capaz de reagir à presença do vírus, provocando a sua multiplicação descontrolada e exagerada. E foi neste contexto que houve o contágio em animais intermediários e em seguida nos seres humanos. Dentro desta dinâmica de ação viral, houveram também mutações genéticas do próprio vírus que possibilitaram ainda a sua perfeita adaptação ao corpo humano.

Vemos no documentário “Epicentro – 24h em Wuhan” um cenário que se espalhou no mundo inteiro, hospitais lotados, médicos sobrecarregados, falta de insumos hospitalares, populações em quarentena, ruas e cidades inteiras vazias.

No Brasil e em Goiás também assistimos a transmissão comunitária do vírus e o aumento exponencial de transmissões e de mortes. Ao contrário de Wuhan onde se fizeram os procedimentos e protocolos adequados de quarentena e depois de testagem em massa, rastreamento, isolamento de contatos e tratamento hospitalar dos infectados, no Brasil, o que assistimos e presenciamos são poucas testagens, ausência de políticas públicas adequadas e efetivas de mitigação das transmissões do vírus Sars-Cov-2.

Dentro deste triste cenário de ausência de testagem em massa, a falta de atendimento hospitalar adequado às vítimas da Covid-19 e o crescente e alarmante aumento do número diário de mortos diagnosticados com esta doença, temos que refletir, pensar e repensar também sobre as decisões e caminhos a serem tomados pelas escolas, universidades e quais enfrentamentos a serem protagonizados, nesta atual realidade, por parte de professores, alunos e seus familiares. Sabendo que, neste contexto de total descontrole do vírus no Brasil, e sem uma vacina eficaz, será impossível o retorno presencial às aulas em escolas ou universidades, sem colocar em risco a vida de alunos, professores e familiares. E do outro lado temos o ensino à distância que no Brasil tem provocado maior aumento da exclusão social, a chamada exclusão social de alunos pobres e trabalhadores que não tem acesso à uma internet de qualidade. O novo coronavírus descortina por completo as nossas mazelas, nossa miséria e os nossos abismos colossais.

 

 

 

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Filme Raça (Race 2016): as olimpíadas do nazismo e a luta contra o racismo


 
(Escrito por: Renato Coelho)


O filme Raça produzido no ano de 2016 e dirigido pelo cineasta Stephen Hopkins (Perdidos no Espaço; Predador 2 e Sob Suspeita) é um longa metragem sobre a biografia de Jesse Owens, o maior desportista do atletismo mundial de todos os tempos. Além de relatar sobre a vida pessoal de Jesse Owens, o filme também consegue retratar de forma magistral os bastidores e a geopolítica nas olímpiadas de 1936, ocorrida na Alemanha nazista de Hitler.

O filme mostra não somente o uso ideológico das olímpiadas como propaganda nazista para o mundo, numa clara tentativa dos alemães em esconder as atrocidades, perseguições e mortes contra opositores e minorias étnicas dentro do país,  mas  mostra também o racismo estrutural e os preconceitos escancarados nos EUA, a terra natal de Jesse Owens.

Um atleta completo que consegue a façanha de alcançar 4 medalhas de ouro em apenas uma única edição olímpica na Alemanha. Os sofrimentos e as injustiças sofridas por Owens por ser negro são mostradas no filme. Também a determinação, a coragem, a ousadia e todos os valores e princípios de Jesse Owens são exibidos neste longa metragem.

Um atleta negro que sofre cotidianamente o peso do racismo em seu próprio país, e que por mérito próprio alcança índices no atletismo para representar os EUA nas olimpíadas sediada em um país nazista que condenava e matava judeus, negros e todos os aqueles que não pertenciam ao etnocentrismo da chamada “raça ariana”.

Antes mesmo da realização dos jogos olímpicos em 1936, Jesse Owens já era ídolo em seu país e considerado o homem mais veloz do mundo. Na volta para casa ele traz na bagagem 4 medalhas de ouro em atletismo (100m; 200m; revezamento e no salto em distância), porém, as estruturas racistas, ainda lhe impõe grandes e constantes investidas contrárias.

O atleta negro e o maior corredor da história americana, conquistou 4 medalhas olímpicas, tendo o próprio Adolf Hitler na plateia assistindo indignado as suas grandes vitórias, desafiou preconceitos e destruiu barreiras, provando que toda a luta e a militância contra o racismo deve ser contínua e incessante. Naquele ano de 1936 eram fortes as pressões contrárias à realização das olimpíadas na Alemanha nazista e o filme conta um pouco da história dos bastidores da tentativa liderada pelos EUA em boicotar ou cancelar as olimpíadas de 1936, mas tal tentativa não logrou êxito.

Atualmente, em 2020, presenciamos o cancelamento e posterior adiamento das olimpíadas de Tóquio no Japão, em virtude da pandemia do novo coronavirus, com prejuízos financeiros astronômicos aos patrocinadores, comitês, entidades esportivas e também para os atletas olímpicos de alto rendimento envolvidos no evento. Houve, no entanto, grande pressão por parte das empresas e também do governo japonês pelo não adiamento das olimpíadas de Tóquio, mesmo não tendo o apoio de atletas e o aval dos comitês olímpicos locais. O vírus Sars-Cov-2 impôs o adiamento do megaevento esportivo na capital japonesa, pois com o aumento cotidiano de contágios e de mortes em todo o mundo, percebeu-se que era de fato impossível a realização de uma olimpíada com milhares de atletas e de turistas oriundos de várias partes do mundo dentro de um contexto de pandemia. E pela primeira vez na história da chamada era moderna, num período sem guerras mundiais, os jogos olímpicos foram adiados. Vários atletas olímpicos brasileiros foram para Portugal em julho de 2020, com o auxílio de Comitê Olímpico Brasileiro (COB), a fim de realizarem os treinamentos para as olímpiadas, adiada para2021, pois o índice de contágios e de óbitos no Brasil impossibilita qualquer forma de treinamento das equipes. Entretanto, hoje Portugal (outubro de 2020) passa também por um crescimento alarmante e exponencial de novos contágios, experimentando uma segunda onda da pandemia que invade toda a Europa.

Em 1936, na Alemanha nazista, nas olímpiadas disputada por Jesse Owens, foram fortes os rumores de boicote de participação de vários países em virtude das atrocidades e dos genocídios praticados pelos nazistas. Depois, durante o período da chamada Guerra Fria, houveram boicotes às olímpiadas de Moscou (1980) e de Los Angeles (1984) liderados pelos EUA e posteriormente pela antiga União Soviética. Já em 2016 nas Olímpiadas do Rio, realizadas no Brasil, houveram também protestos populares contra os gastos dos jogos olímpicos na Rio 2016, onde a população descontente com o governo brasileiro, exigia mais gastos em saúde e educação e o fim dos gastos com megaeventos esportivos.

Hoje assistimos perplexos o cancelamento dos jogos olímpicos no Japão provocado não pela guerra fria, por boicotes e nem por protestos populares, mas por causa de um vírus letal e desconhecido que já provocou mais de um milhão de mortes ao redor do mundo e mais de 145 mil mortes e cerca de 5 milhões de contágios somente no Brasil. Situações apocalípticas e que demostram a fragilidade e a irracionalidade do modelo de mundo atual no qual vivemos, embasado na exploração do homem pelo homem e na destruição completa da natureza.

A compra frenética por armas pelos países capitalistas, a prioridade dos governos na militarização e na criação de guerras, os contínuos ataques comerciais da atual “Guerra Fria” entre China e EUA, a destruição rapace da natureza, onde todo este contexto tem também colaborado para o descontrole da pandemia no mundo e para chegarmos ao número total de mortos hoje. Em todos os países do mundo faltaram hospitais, leitos de UTI´s e respiradores mecânicos, porém nunca faltaram armamentos e capital para investimentos em equipamentos de guerra. No final do mês de setembro de 2020, em plena pandemia, chegou ao país, o primeiro caça fabricado na Suécia e comprado pelo governo brasileiro, num total de 36 aeronaves, com custo total de 4,1 bilhões de dólares, equivalente à cifra de 23.163 bilhões de reais, sendo que o chamado auxílio emergencial paga pelo governo aos desempregados na pandemia no Brasil, equivale a apenas 53 dólares por mês, ou seja, 300 reais.

 A luta de Jesse Owens contra o racismo, a luta da população brasileira para maiores investimentos em saúde e educação e contra a realização dos megaeventos (Copa e Olimpíadas) tem ressonância na luta contra a pandemia e nas suas consequências. Se ao invés da construção de estádios (30 bilhões de reais) para a Copa em 2014 ou os gastos astronômicos realizados na Rio 2016 (40 bilhões de reais), todo esse dinheiro estivesse sido gasto na saúde dos brasileiros com a construção de hospitais e UTI´s com respiradores mecânicos, não seríamos hoje um dos países recordistas em mortes pela Covid-19 no mundo.  A luta de classes e a luta contra o racismo também são fundamentais e essenciais, pois a pandemia tem demonstrado que infelizmente, a taxa de mortalidade pela covid-19 no Brasil é maior entre os trabalhadores pobres e também entre os trabalhadores negros, justamente porque estes não possuem assistência em saúde adequada e na maioria assumem postos de trabalho precarizados e assim acabam consequentemente se expondo mais ao vírus.

Que comecem os Jogos! (SQN)

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Geraldinos e o Fim da Alegria no Futebol


(Escrito por Renato Coelho)

Geraldinos é um longa metragem na forma de documentário produzido em 2015 e dirigido por Pedro Asbeg e Renato Teixeira. O nome do filme é uma expressão criada pelo radialista carioca Washington Rodrigues e se refere ao público de torcedores do espaço da antiga geral do estádio Maracanã. O filme relata o fim da geral no Maracanã com a reforma do estádio para a Copa Fifa 2014 no Brasil. A geral era o espaço daqueles torcedores mais pobres que pagavam preços populares para entrar no Maracanã e assim poderem assistir ao seu time do coração jogar no estádio mais simbólico, imponente e importante do futebol mundial, mas que perdeu parte da sua história e do seu encanto com o fim da geral, e que hoje, infelizmente já não mais existe.

Com as reformas de adaptação do Maracanã aos padrões exigidos pela FIFA para a Copa do Mundo 2014, a arquitetura original do Estádio foi totalmente modificada para adequação ao megaevento do futebol mundial, e além de diminuir a capacidade de público do estádio, promoveu também a elitização dos torcedores com a extinção da geral do Maracanã, espaço que pertencia aos torcedores cariocas de mais baixa renda. O fim da geral se relaciona com o processo de gentrificação em que foram submetidas todas as cidades sede dos jogos da copa do mundo, incluindo a capital fluminense. A extinção dos chamados geraldinos representou a exclusão de torcedores pobres do Maracanã e o fim de uma rica e singular cultura e tradição que era diretamente relacionada ao futebol brasileiro.

Com o advento da pandemia do novo coronavirus, a partir de março de 2020, foi proibida a realização de jogos de futebol nos estádios de todo o país em virtude das regras de distanciamento e de isolamento social adotados por estados e municípios brasileiros. Entretanto, mesmo com aceleração na propagação do novo coronavirus, com aumento de infectados e de óbitos em praticamente todo Brasil, ainda em agosto se deram o reinício dos jogos de futebol nos campeonatos estaduais e também no campeonato brasileiro. Vários times como Goiás, Flamengo, Atlético Goianiense e vários outros experimentaram surtos de covid-19 entre seus jogadores e comissão técnica. Em meio a este contexto, os estádios continuam sem público, mas continua grande a pressão sobre os prefeitos das cidades para a reabertura dos estádios aos torcedores, mesmo com alta elevada de contágios.

Os estádios continuam vazios e o Maracanã também. Mas agora não apenas a geral (que já não existe), mas as cadeiras todas, totalmente sem público e as  torcidas organizadas ausentes. Acertadamente e por medidas sanitárias de segurança os estádios estão e ainda continuam com os portões fechados e cadeiras vazias. Ironicamente, o vírus Sars-Cov-2 faz todos sentirem a dor e a tristeza que os geraldinos sentiram antes da copa do mundo de 2014 com o fim da geral do Maracanã. O Maracanã sem a geral é o mesmo que o Brasil sem o carnaval.