quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Filme Raça (Race 2016): as olimpíadas do nazismo e a luta contra o racismo


 
(Escrito por: Renato Coelho)


O filme Raça produzido no ano de 2016 e dirigido pelo cineasta Stephen Hopkins (Perdidos no Espaço; Predador 2 e Sob Suspeita) é um longa metragem sobre a biografia de Jesse Owens, o maior desportista do atletismo mundial de todos os tempos. Além de relatar sobre a vida pessoal de Jesse Owens, o filme também consegue retratar de forma magistral os bastidores e a geopolítica nas olímpiadas de 1936, ocorrida na Alemanha nazista de Hitler.

O filme mostra não somente o uso ideológico das olímpiadas como propaganda nazista para o mundo, numa clara tentativa dos alemães em esconder as atrocidades, perseguições e mortes contra opositores e minorias étnicas dentro do país,  mas  mostra também o racismo estrutural e os preconceitos escancarados nos EUA, a terra natal de Jesse Owens.

Um atleta completo que consegue a façanha de alcançar 4 medalhas de ouro em apenas uma única edição olímpica na Alemanha. Os sofrimentos e as injustiças sofridas por Owens por ser negro são mostradas no filme. Também a determinação, a coragem, a ousadia e todos os valores e princípios de Jesse Owens são exibidos neste longa metragem.

Um atleta negro que sofre cotidianamente o peso do racismo em seu próprio país, e que por mérito próprio alcança índices no atletismo para representar os EUA nas olimpíadas sediada em um país nazista que condenava e matava judeus, negros e todos os aqueles que não pertenciam ao etnocentrismo da chamada “raça ariana”.

Antes mesmo da realização dos jogos olímpicos em 1936, Jesse Owens já era ídolo em seu país e considerado o homem mais veloz do mundo. Na volta para casa ele traz na bagagem 4 medalhas de ouro em atletismo (100m; 200m; revezamento e no salto em distância), porém, as estruturas racistas, ainda lhe impõe grandes e constantes investidas contrárias.

O atleta negro e o maior corredor da história americana, conquistou 4 medalhas olímpicas, tendo o próprio Adolf Hitler na plateia assistindo indignado as suas grandes vitórias, desafiou preconceitos e destruiu barreiras, provando que toda a luta e a militância contra o racismo deve ser contínua e incessante. Naquele ano de 1936 eram fortes as pressões contrárias à realização das olimpíadas na Alemanha nazista e o filme conta um pouco da história dos bastidores da tentativa liderada pelos EUA em boicotar ou cancelar as olimpíadas de 1936, mas tal tentativa não logrou êxito.

Atualmente, em 2020, presenciamos o cancelamento e posterior adiamento das olimpíadas de Tóquio no Japão, em virtude da pandemia do novo coronavirus, com prejuízos financeiros astronômicos aos patrocinadores, comitês, entidades esportivas e também para os atletas olímpicos de alto rendimento envolvidos no evento. Houve, no entanto, grande pressão por parte das empresas e também do governo japonês pelo não adiamento das olimpíadas de Tóquio, mesmo não tendo o apoio de atletas e o aval dos comitês olímpicos locais. O vírus Sars-Cov-2 impôs o adiamento do megaevento esportivo na capital japonesa, pois com o aumento cotidiano de contágios e de mortes em todo o mundo, percebeu-se que era de fato impossível a realização de uma olimpíada com milhares de atletas e de turistas oriundos de várias partes do mundo dentro de um contexto de pandemia. E pela primeira vez na história da chamada era moderna, num período sem guerras mundiais, os jogos olímpicos foram adiados. Vários atletas olímpicos brasileiros foram para Portugal em julho de 2020, com o auxílio de Comitê Olímpico Brasileiro (COB), a fim de realizarem os treinamentos para as olímpiadas, adiada para2021, pois o índice de contágios e de óbitos no Brasil impossibilita qualquer forma de treinamento das equipes. Entretanto, hoje Portugal (outubro de 2020) passa também por um crescimento alarmante e exponencial de novos contágios, experimentando uma segunda onda da pandemia que invade toda a Europa.

Em 1936, na Alemanha nazista, nas olímpiadas disputada por Jesse Owens, foram fortes os rumores de boicote de participação de vários países em virtude das atrocidades e dos genocídios praticados pelos nazistas. Depois, durante o período da chamada Guerra Fria, houveram boicotes às olímpiadas de Moscou (1980) e de Los Angeles (1984) liderados pelos EUA e posteriormente pela antiga União Soviética. Já em 2016 nas Olímpiadas do Rio, realizadas no Brasil, houveram também protestos populares contra os gastos dos jogos olímpicos na Rio 2016, onde a população descontente com o governo brasileiro, exigia mais gastos em saúde e educação e o fim dos gastos com megaeventos esportivos.

Hoje assistimos perplexos o cancelamento dos jogos olímpicos no Japão provocado não pela guerra fria, por boicotes e nem por protestos populares, mas por causa de um vírus letal e desconhecido que já provocou mais de um milhão de mortes ao redor do mundo e mais de 145 mil mortes e cerca de 5 milhões de contágios somente no Brasil. Situações apocalípticas e que demostram a fragilidade e a irracionalidade do modelo de mundo atual no qual vivemos, embasado na exploração do homem pelo homem e na destruição completa da natureza.

A compra frenética por armas pelos países capitalistas, a prioridade dos governos na militarização e na criação de guerras, os contínuos ataques comerciais da atual “Guerra Fria” entre China e EUA, a destruição rapace da natureza, onde todo este contexto tem também colaborado para o descontrole da pandemia no mundo e para chegarmos ao número total de mortos hoje. Em todos os países do mundo faltaram hospitais, leitos de UTI´s e respiradores mecânicos, porém nunca faltaram armamentos e capital para investimentos em equipamentos de guerra. No final do mês de setembro de 2020, em plena pandemia, chegou ao país, o primeiro caça fabricado na Suécia e comprado pelo governo brasileiro, num total de 36 aeronaves, com custo total de 4,1 bilhões de dólares, equivalente à cifra de 23.163 bilhões de reais, sendo que o chamado auxílio emergencial paga pelo governo aos desempregados na pandemia no Brasil, equivale a apenas 53 dólares por mês, ou seja, 300 reais.

 A luta de Jesse Owens contra o racismo, a luta da população brasileira para maiores investimentos em saúde e educação e contra a realização dos megaeventos (Copa e Olimpíadas) tem ressonância na luta contra a pandemia e nas suas consequências. Se ao invés da construção de estádios (30 bilhões de reais) para a Copa em 2014 ou os gastos astronômicos realizados na Rio 2016 (40 bilhões de reais), todo esse dinheiro estivesse sido gasto na saúde dos brasileiros com a construção de hospitais e UTI´s com respiradores mecânicos, não seríamos hoje um dos países recordistas em mortes pela Covid-19 no mundo.  A luta de classes e a luta contra o racismo também são fundamentais e essenciais, pois a pandemia tem demonstrado que infelizmente, a taxa de mortalidade pela covid-19 no Brasil é maior entre os trabalhadores pobres e também entre os trabalhadores negros, justamente porque estes não possuem assistência em saúde adequada e na maioria assumem postos de trabalho precarizados e assim acabam consequentemente se expondo mais ao vírus.

Que comecem os Jogos! (SQN)