sábado, 19 de outubro de 2024

Filme: "O Salário do Medo" (auditório UEG ESEFFEGO - Goiânia)


 

(Escrito por: Renato Coelho)

Filme de ação e suspense dirigido por Julien Leclrerq em 2024, é uma adaptação do filme de Henri-Georges Clouzot de 1953, baseado no livro de romance homônimo de Georges Arnaud. A obra é uma metáfora da condição de proletariedade do trabalhador da modernidade do capital. Em uma cidade pobre (Tonwship), situada no meio do deserto de um país Árabe, (no filme original e no livro, a cidade está localizada na Guatemala, que fica na América Central), uma empresa multinacional estadunidense de petróleo explora os trabalhadores de forma brutal. A espoliação da força de trabalho, a despreocupação com a proteção ambiental e com segurança dos moradores do vilarejo é literalmente exposta,  quando em uma das refinarias ocorre um mega incêndio, colocando em risco não somente os trabalhadores da refinaria de petróleo, mas também a vida de todos os moradores. A iminência de uma catástrofe gera o pânico e o desespero de toda a população, pois em questão de horas, tudo irá explodir devido ao incêndio em um dos poços principais de extração de petróleo. A empresa petrolífera encontra uma única solução para evitar a tragédia no pobre vilarejo: explodir todo o poço da refinaria que está em chamas com duzentos quilos de nitroglicerina, para assim, extinguir por completo o incêndio e evitar que ele se espalhe. Vários moradores da vila são contratados para essa perigosa e impossível missão: transportar em caminhões a perigosa e explosiva carga de nitroglicerina. Os riscos, medos e desafios acontecem justamente na estrada em que estes trabalhadores são obrigados a viajar para transportar a letal e explosiva carga. E o objetivo é levar essa carga até o poço em chamas, e em seguida lançá-la sobre o fogo para tentar debelar o incêndio sem controle.
O filme retrata a situação do trabalhador moderno, onde a condição de proletariedade e a precarização extrema, produzem o medo e a incerteza sobre a vida e sobre o futuro. No filme "O salário do medo", a precarização do trabalho espelha também a precarização da vida, a miséria social, a degradação do caráter e a perspectiva iminente da morte, frente a uma vida sem sentido e sem significado a que são submetidos os trabalhadores.
O imperialismo moderno é retratado no filme, através da empresa americana de petróleo, que expõe de forma cruel, o capitalismo globalizado e as suas desumanas relações de poder. O petróleo ("ouro negro") é extraído da natureza, para abastecer e manter em funcionamento a produção insaciável do capital. Além de produzir a energia vital para o sistema de produção de mercadorias, a petrolífera expõe as contradições imanentes da modernidade atual do capital. A miséria dos moradores do vilarejo contrasta com a opulência e riqueza dos gestores e donos da empresa de petróleo. O filme revela ainda, a destruição rapace da natureza e a poluição do planeta através da contínua extração e uso de combustíveis fósseis. A extração de petróleo coloca em risco toda a pobre população da vila, pois as jazidas de petróleo estão localizadas justamente no subsolo onde estão construídas as casas dos trabalhadores. O incêndio catastrófico ameaça colocar pelos ares,  todos os seus moradores. A situação exige uma solução incerta e não menos arriscada, ou seja, lançar toda a nitroglicerina transportada,  no poço de petróleo que arde continuamente em chamas. E para essa missão arriscada e impossível são convocados imigrantes e trabalhadores locais, cujas vidas não possuem nenhum valor para a grande empresa multinacional do petróleo. 
O medo dos personagens do filme em dirigir caminhões carregados de nitroglicerina por estradas perigosas, esburacadas e traiçoeiras, representa o medo estrutural de todos os trabalhadores inseridos no mundo do trabalho capitalista, onde impera o desemprego, a alta periculosidade, a precarização, os baixos salários, o adoecimento continuo e a fetichização das relações sociais.
A sociedade capitalista é a sociedade do risco e do medo, não somente o risco do trabalho em si, mas também o risco instalado no próprio cotidiano, o risco do não acesso ao sistema de saúde pelo trabalhador, o risco dos agrotóxicos nos alimentos, o risco da proliferação de vírus e bactérias potencializados pela poluição do planeta, o risco da violência dos centros urbanos, o risco dos eventos climáticos extremos, que são consequências da degradação ambiental, dos desmatamentos e das emissões de gases do efeito estufa na atmosfera. A modernidade do capital, revelada através do filme, mostra que a atividade laboral realizada pelo sujeito que trabalha, passa a ser atividade de alto risco, e o pagamento pelo seu trabalho, ou seja, o seu salário, passa a ser o medo existencial.

terça-feira, 1 de outubro de 2024

A Vítima Invisível: o caso Eliza Samudio

 




(Escrito por: Renato Coelho)

O documentário “A Vítima Invisível: o caso Eliza Samudio”, narra uma das mais terríveis e chocantes histórias de violência contra a mulher, ocorridas no Brasil. O documentário produzido em 2024 e dirigido por Juliana Antunes, roteirizado por Carol Pires e Caroline Margoni, conta a verdadeira história sobre a vida e a morte da modelo paranaense Eliza Samudio, que foi sequestrada e morta a mando do goleiro Bruno, considerado na época, um dos maiores goleiros da história do Flamengo e ídolo da maior torcida do Brasil. O documentário desbrava o machismo e a misoginia da cultura brasileira, que se enraíza e mistura com a própria cultura do futebol nacional.  O fenômeno futebol espelha os valores sociais e revela os preconceitos e estigmas de toda uma nação, e vice-versa, ou seja, a sociedade é também reflexo do que acontece dentro e fora dos gramados: o racismo, o machismo, a misoginia, as divisões de classe e todas as mazelas sociais. O documentário revela a trajetória da jovem mulher e mãe, Eliza Samudio, que representa também a luta de todas as mulheres dentro de uma sociedade patriarcal, sexista e machista. Mostra a luta diária e incessante, de uma mãe com o seu filho recém-nascido, pelos direitos básicos garantidos por lei, como pensão alimentícia e medidas protetivas, mas que não foram atendidas pelo sistema judiciário. A obra revela ainda um jogador famoso, envolto sempre pelas estruturas sociais hierárquicas e machistas, que protegem o indivíduo homem e culpabilizam as vítimas, que são  sempre mulheres. Descortina também as relações de poder e a transformação da vida de Eliza Samudio em espetáculo midiático, pela grande imprensa brasileira. Mostra ainda, o poder do dinheiro para tentar calar e destruir a vida de uma mãe, que vê todos os seus direitos cancelados e liberdades anuladas. O grito de desespero de uma mãe solitária, que luta contra tudo e contra todos, sendo calada diante do poder e das ameaças do goleiro mais famoso do Brasil, um homem frio e calculista, aliado aos seus comparsas, não menos sádicos e maquiavélicos. Os rótulos e estigmas sociais ajudaram a culpabilizar a vítima Eliza Samudio, e ainda fizeram dela, alvo do ódio e da crueldade incomensurável do machismo e da misoginia, que terminaram por ceifar, de forma cruel e horrenda, a sua vida. O documentário revela que este crime bárbaro e monstruoso ocorrido em 2010, serviu para modificar a Lei Maria da Penha, criando então, o denominado crime de feminicídio, que aumenta a pena em caso de homicídios impetrados contra mulheres, quando comprovado que a principal motivação do assassinato é a questão de gênero, ou seja, quando o motivo do crime, é o  fato da vítima ser uma mulher.

O mundo atual vive uma pandemia de ódio contra as mulheres (misoginia), dentro do contexto de uma cultura de estupros e de feminicídios, onde apenas a criação ou incremento das leis, não são capazes de acabar ou mesmo reduzir a violência contra a mulher. O que realmente tem surtido efeito e modificado radicalmente essa brutal realidade, são as ações, as lutas, os embates e os movimentos organizados das próprias mulheres no Brasil e em todo o mundo, contra a opressão e a violência da sociedade machista capitalista.

Eliza Samudio! Presente!